Nuno Almeida
Partilho aqui um exemplo de actividade realizada com funcionários da administração pública. Esta actividade consistiu basicamente em apresentar oralmente informação escrita constante de um formulário. O que a motivou foi o clássico problema em perceber a diferença entre um verbo e um nome. Não se trata de metalinguagem, refiro-me à dificuldade que muitos certamente já experimentaram ao explicar a diferença entre “recolha” e “recolher”.
Nas anteriores sessões de formação, cada aprendente tinha preenchido a Ficha de Auto-avaliação do Desempenho, documento em língua portuguesa, de preenchimento obrigatório no âmbito da avaliação do desempenho dos funcionários da administração pública. Um dos campos era “Funções exercidas durante o período em avaliação”. Para o preenchimento deste campo, optámos por escrever, em primeiro lugar, o título da função principal e, depois, enumerar algumas actividades regularmente levadas a cabo no ano anterior (agora avaliado). Para a enumeração das funções, os aprendentes tinham de treinar a nominalização de verbos (exemplos: [elaborar – elaboração de], [analisar – análise de], [recolher – recolha de]).
Nesta actividade, tinham agora de apresentar oralmente a informação registada no campo “ Funções exercidas” a partir da observação da ficha de um colega. Isso implicava a descodificação dos nomes, a sua transformação em verbos flexionados no Pretérito Perfeito e a eliminação da preposição (exemplo: [elaboração de relatórios – elaborou relatórios]). Além disto, para que o resultado fosse uma produção oral aceitável, tinham de usar o verbo “ser” para introduzir a função principal do colega e de usar conectores para ligar as várias actividades exercidas. Foram sugeridos os seguintes conectores: “e”, “também”, “(para) além disso”, “por último”. Em alguns casos, em que o nome se encontrava qualificado por um adjectivo, foi necessário transformar esse adjectivo em advérbio de modo.
O exercício revestia-se de uma considerável dificuldade, pois os formandos, apesar de terem tempo para preparar a sua apresentação, enquanto estavam a apresentar as funções do colega, só tinham acesso à ficha de auto-avaliação deste. Estar a ler “organização de…” e dizer “organizou…” implica compreender com segurança o significado de “organização”, relacioná-lo automaticamente com o verbo “organizar”, aceder rapidamente à forma correcta do verbo e ainda lembrar-se de retirar a preposição “de”, já para não falar do uso dos conectores propostos.
As gravações que apresento são representativas dos resultados obtidos e mostram a primeira tentativa de dois formandos. Nesta fase, não houve nenhuma produção completamente livre de desvios. Em momento posterior, ouvimos as produções com mais desvios e os próprios aprendentes detectaram facilmente os erros, fazendo propostas de correcção. A actividade foi altamente produtiva, pois, através do uso, contribuiu para fixar correspondências entre alguns nomes e verbos usados no domínio profissional dos aprendentes (para não me alongar sobre o que representou em termos pragmáticos de apresentação da mesma informação em contextos diferentes ou em termos de adaptação da estrutura sintáctica). Ao mesmo tempo, reforçou a automatização da flexão verbal e do uso de conectores.
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