sábado, 6 de março de 2010

Conhecer o Tétum para ensinar Português

Carlos Ferreira

As correntes pedagógico-didácticas contemporâneas ligadas ao ensino aprendizagem das línguas parecem valorizar cada vez mais o fenómeno da intercompreensão relativamente aos processos de aquisição de saberes e competências. Pois bem, a intercompreensão não é mais do que a mobilização de conhecimentos e aptidões que o aprendente possui e que, através de diversos mecanismos psicológicos, sociológicos e linguísticos, lhe permite construir novas aprendizagens, um construtivismo, portanto, que não partindo do nada, assenta já em fundações mais ou menos consolidadas.

É um facto que entre o Tétum e o Português há algumas semelhanças e muitíssimas disparidades. Se por um lado as afinidades, sobretudo de ordem lexical, são uma mais-valia para quem aprende ou mesmo ensina a Língua Portuguesa, por outro, as diferenças, relacionadas principalmente com a sintaxe, constituem-se como um sério obstáculo à proficiência na referida língua.

Mesmo aqueles que não defendem o estatuto oficial da Língua Portuguesa em Timor-Leste, terão que reconhecer que o surgimento de novas realidades e de novos referentes tem exigido, ao Tétum, uma expansão lexical bastante considerada, ampliação, essa, conseguida em grande parte pelo recurso ao Português. Pois bem, pode ver-se esta crescente proximidade vocabular como um bom aliado no processo de ensino-aprendizagem da língua lusa.

Como é sabido, o Português, à semelhança das demais línguas latinas, é uma língua de extrema complexidade sintáctica. Este factor é de uma relevância fundamental no contexto específico de Timor-Leste, uma vez que as línguas maternas e línguas segundas, dominadas desde o berço pelos timorenses, são idiomas caracterizados por uma grande elementaridade estrutural e linguística. Pois bem, esse distanciamento gramatical, existente entre língua consolidada e língua a adquirir, será um obstáculo à construção dos processos de correspondência entre as duas línguas, dificultando, portanto, o processo da intercompreensão.

Salvo excepção feita ao Tétum Térik e outros casos que eventualmente desconheceremos, tanto o Tétum Praça – Língua Oficial – como grande parte dos dialectos utilizados para comunicar, em primeira instância, são meios de uma grande simplicidade gramatical em que não se verifica, por exemplo, flexão verbal em modo, tempo ou pessoa. O mesmo acontece relativamente à inexistência de variação em grau, género e número. Sabemos, também, que os referentes temporais são feitos exclusivamente com recurso às expressões temporais, não havendo, portanto, a necessidade de se proceder a alterações do verbo em si. Pois bem, o que pensará um aprendente de um nível inicial de Português ao saber que para nos referirmos ao Passado podemos mobilizar vários tempos verbais, cuja utilização será sempre criteriosa e não arbitrária.

Não se pretende um levantamento exaustivo dos aspectos gramaticais que distinguem as duas línguas. Importa, contudo, enfatizar que a tomada de consciência relativamente a essas diferenças contribuirá para uma eliminação precoce dos principais entraves ao processo de ensino-aprendizagem e, consequentemente, a uma proficiência mais rápida e efectiva em Língua Portuguesa.


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